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Na madrugada do dia 20 de junho de 2025, uma ofensiva cibernética de alto impacto afetou profundamente a infraestrutura digital agropecuária da Rússia. O alvo foi o sistema Mercury, uma plataforma crítica de certificação veterinária obrigatória para a comercialização e transporte de produtos de origem animal em todo o território russo. Integrado ao sistema federal VetIS (Sistema de Informação Veterinária), o Mercury é o coração logístico da rastreabilidade sanitária no país. Em questão de minutos, o sistema deixou de emitir os certificados digitais necessários para permitir o trânsito de cargas como leite, carne, ovos e outros derivados animais.
O resultado foi imediato: milhares de veículos pararam nos centros de distribuição e nas estradas. Produtos perecíveis ficaram retidos, centros de processamento foram obrigados a suspender atividades, e supermercados recusaram lotes inteiros de alimentos pela falta do documento eletrônico obrigatório.
Segundo o próprio Ministério da Agricultura da Rússia, o sistema foi forçado a operar em modo de emergência, situação inédita até então. Esse modo permite, de forma limitada, que veterinários autorizados emitam documentos de forma manual, seguindo as diretrizes do Despacho nº 862, de 13 de dezembro de 2022. Essa norma é ativada em casos de falha sistêmica para permitir alguma continuidade no transporte de alimentos mas apenas com controles locais, sem automação ou validação digital.
Entendendo o que é o Mercury
O Mercury é uma plataforma estatal desenvolvida para garantir que todos os produtos de origem animal no país passem por um controle rigoroso de segurança sanitária. Cada remessa de leite, queijo ou carne precisa ser acompanhada de um certificado digital e esse documento só pode ser emitido via Mercury.
Esse certificado é o que permite que um produto vá da fazenda para o supermercado. Ele documenta, de forma digital e rastreável, todas as etapas: onde foi produzido, quando foi processado, se passou por inspeção veterinária, se está apto para consumo e qual é sua validade. Além disso, ele se conecta a outros sistemas regulatórios e de rastreamento como controle de rotulagem, nota fiscal eletrônica e transporte refrigerado.
Quando o Mercury parou, todo esse ecossistema travou.
Como o ataque possivelmente aconteceu
De acordo com analistas, o ataque foi fulminante e durou apenas cerca de 15 minutos o suficiente para comprometer o funcionamento da infraestrutura digital. Embora os detalhes técnicos não tenham sido oficialmente divulgados, especialistas sugerem que os criminosos obtiveram acesso privilegiado ao sistema, provavelmente explorando credenciais administrativas fracas, ausência de autenticação multifator (MFA) ou má segmentação da rede interna.
É possível que os atacantes tenham utilizado técnicas como:
Spear phishing contra operadores do sistema para roubo de credenciais;
Exploits de dia zero ou falhas conhecidas em componentes do backend (como servidores Apache ou bancos PostgreSQL);
Ataques de escalonamento lateral, em que um acesso básico inicial é expandido para controlar componentes críticos do sistema.
Além disso, o sistema SIEM (monitoramento de segurança) responsável por gerar alertas e identificar comportamentos anômalos aparentemente não estava configurado para respostas em tempo real, gerando logs somente após a paralisação completa.
Cronologia detalhada da interrupção
Data | Evento | Consequência direta |
---|---|---|
18/06/2025 | Ataque cibernético interrompe o Mercury | Sistema entra em modo de emergência. Certificação digital é suspensa. |
19/06/2025 | Ativado o Despacho nº 862 para emissão manual emergencial | Apenas pequenos produtores conseguem seguir com entregas limitadas. |
20/06/2025 | Supermercados rejeitam remessas sem certificados digitais | Produtos perecíveis começam a vencer nos centros de distribuição. |
21/06/2025 | Indústrias e cooperativas relatam perdas de produção e atraso logístico | Setor leiteiro tem prejuízos estimados em milhões de rublos. |
22/06/2025 | Início parcial da restauração dos serviços do Mercury | Certificados digitais voltam a ser emitidos, mas com lentidão. |
Impacto logístico e econômico
O impacto foi gigantesco: redes de supermercados e transportadoras passaram a recusar produtos sem certificado digital válido. Em resposta, caminhões foram obrigados a retornar às cooperativas, e toneladas de alimentos ficaram estagnadas. Em alguns casos, grandes redes como X5 Retail Group e Yandex Lavka bloquearam automaticamente os sistemas de recebimento de cargas, pois suas plataformas são integradas ao Mercury por meio de APIs e sem autenticação do certificado, não há como continuar o fluxo.
A dependência do sistema digital também expôs a fragilidade da infraestrutura agrícola frente a ataques cibernéticos. Embora o modo de emergência tenha permitido que pequenos lotes seguissem viagem com documentação manual, a maioria das redes logísticas e atacadistas não aceitou documentos impressos, temendo fraudes e irregularidades. Isso criou um gargalo imediato no transporte de produtos perecíveis, e muitos itens não resistiram ao tempo de espera.
Um alerta global sobre a agricultura digitalizada
Esse não é um caso isolado. O Mercury já havia sido alvo de incidentes anteriores, mas esse foi, sem dúvida, o mais crítico e com maior impacto nacional. Ele reforça uma verdade incômoda: a agricultura moderna depende de sistemas digitais tanto quanto qualquer banco ou empresa de telecomunicação. Um ataque a um sistema de certificação como esse é capaz de provocar escassez alimentar, perdas financeiras em larga escala e crise regulatória.
Além disso, esse episódio deixa claro que não basta ter backups ou plano de continuidade no papel. Sistemas críticos como o Mercury exigem:
Monitoração em tempo real com resposta automatizada;
Segmentação de rede para proteger funções vitais;
Auditorias periódicas de segurança;
Redundância com ambientes replicados em nuvem e protocolos manuais integrados.